Fizemos uma navegação tranquila (sempre com mais de 20 nós), até ao cabo Espichel.
Não me recordo da hora, mas percebemos que algo estava acontecer, quando umas nuvens estranhas e muito NEGRAS, começaram a surgir vindas de norte. Não era só a forma estranha das nuvens (finas e compridas), mas também o facto de navegarmos com mais de 20 nós e elas se aproximarem de nós ainda mais rápido…
Tudo começou muito rapidamente! Passando o vento para mais de 40 nós e as refregas a passar os 50 muito frequentemente. Pouco depois, e para nosso “descanso” o Anemómetro voou.
Por questões de segurança optámos por navegar mais orçados do que o nosso rumo e por razões óbvias em direcção ao mar. Navegávamos orçando na parede da onda (7/ 8 metros), controlando a velocidade, pois numa das poucas que “apanhámos” passámos dos 15 nós de velocidade e todo o barco começou a tremer desde a ponta da quilha ao topo do mastro.
Durante algum tempo hesitei na colocação do Rizo, por falta de preparação nossa o Blaus não tinha linhas de vida instaladas… Naquele momento a escolha era: seguir com a grande a despejar brutalmente, correndo o risco de rasgar a vela; ou pedir ao João para se deslocar ao mastro para colocar a argola do rizo, colocando a sua vida em risco. O João acabou por se voluntariar e felizmente a manobra correu sem problemas.
Depois de algum tempo a navegar já com o rizo colocado, estranhávamos um ranger estanho que de vez em quando, se fazia ouvir. Devido á pressão extrema exercida no mastro, a Burda Alta, apesar de passada no molinete com 5 ou 6 voltas e no “Self-Tailing”, estava a escorregar!!! Tivemos de passar o chicote num cunho para a travar. Por razões de segurança passámos ainda um cabo de segurança, no caso de os moitões explodirem.
O mar estava tão transfigurado que (olhando para trás hoje) quase parecia belo! As regras naturais são completamente alteradas quando o vento passa dos 50 nós. Impressionante a visão do “spray” da proa, a sair completamente na horizontal e para a frente. A espuma que saltava da nossa esteira, a passar por nós… As vagas a varrer o convés, que visão brutal da nossa pequenez e vulnerabilidade.
Devido á dificuldade de manobra com as burdas, e apesar de nos afastarmos brutalmente da costa, optámos por seguir neste rumo até ao sol nascer ou o vento cair. Assim apenas nos foi possível virar de bordo, após o sol nascer. Como já não tínhamos anemómetro não temos a indicação correcta da intensidade do vento, mas penso que deveria estar ainda acima dos 40 nós. Nesse momento, fizemos rumo ao Cabo de São Vicente. Estávamos a uma simpática distância (na perpendicular) de 40 milhas da costa!
O resto da viagem foi pacifica, até à Ponta da Piedade, onde orçámos junto a terra para arriar finalmente a vela grande.
À chegada a terra, cerca das 17:00h fomos surpreendidos por diversos amigos que nos aguardavam. Depois da notícia que o Cidade de Faro tinha partido o mastro, a atenção de quem estava em terra virou-se para nós e a falta de informação sobre a nossa posição ou condição. Aguardavam como limite o por do sol, para alertar os socorros a náufragos e dar-nos como desaparecidos…
Depois de quase 24 horas de navegação, com o barco num verdadeiro caos, com comida, roupa e velas espalhadas, água por todo o lado, entramos na Marina de Lagos, amarramos o barco, liguei para a Tania e disse-lhe: “Já chegámos, está tudo bem, vem nos buscar que nós agora vamos beber uns valentes conhaques!”
E assim foi, sentámo-nos os dois numa esplanada qualquer e pedimos 2 cafés duplos e 2 conhaques triplos!
2 comentários:
GOSTEI DE LER O RELATO.
AS AVENTURAS SÃO MEMORÁVEIS QUANDO TUDO ACABA EM BEM.
FOI O CASO.
ABRAÇO.
Este post só peca por tardio.
Mas antes tarde do que nunca.
E a brincar a brincar já vão alombando umas boas milhas de mar complicado nas costas e mãos.
Aos homens do mar.
Miguel
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